DIVERGÊNCIAS ENTRE MARX E HEGEL
IDEALISMO E MATERIALISMO: a dialética e a
concepção universalista em Hegel e em Marx
Considerações
iniciais
Esse estudo
pretende analisar e situar, à luz da filosofia de Hegel e Marx, a relação entre
o princípio dialético e a concepção de universalidade. Sendo a dialética o
princípio motor da filosofia de Hegel, irá Marx fazer uso da dialética para
desenvolver metodologicamente sua filosofia materialista, contrapondo assim ao
idealismo dialético de Hegel. Para realização dessa tarefa utilizaremos as
categorias centrais em Hegel e Marx que permitem a passagem do particular ao
universal, conforme Hegel. Seguindo a mesma linha, a interpretação da concepção
universalista envolve o movimento dialético da relação entre sociedade civil e
Estado e a idéia que ambos têm de cada uma dessas esferas.
Marx diferente
de Hegel, elabora um problema histórico filosófico onde a reino da pratica e da
experiência é a fundamentação de sua filosofia. Assim é renovador da filosofia
hegeliana no sentido de que a história não é a passagem do reino do espírito,
mas uma “práxis”.
O
principal ponto ou o ponto inicial da divergência é a dialética.
A
dialética em se movimenta da seguinte forma:
primeiro existe a TESE, que é a idéia, gerando uma ANTÍTESE, que se contrapõe à
TESE, surgindo assim a SÍNTESE, que é a superação das anteriores. Hegel aplicava esse raciocínio à
realidade e aos diferentes momentos da história humana. Desde as antigas
civilizações do oriente até a concepção de Estado Moderno, constando nesse
ínterim, acontecimentos como o surgimento da filosofia, o iluminismo e a
Revolução Francesa. Ou seja, a história estaria dividida em três etapas,
correspondendo exatamente à TESE, ANTÍTESE e SÍNTESE. A SÍNTESE representa a superação
da contradição.
Karl Marx reformula o conceito
de dialética em Hegel, voltando-o para a sociedade, as lutas de classes
vinculadas a uma determinada organização social, surgindo assim, a chamada:
dialética materialista ou materialismo dialético.
A dialética materialista une pensamento e realidade, mostrando que a realidade é contraditória ao pensamento dialético. Contradições estas, que é preciso compreender para então, transpô-las através da dialética. Marx fala da dialética sempre em um contexto de luta de classes, diferentes interesses, que geram a contradição. Sendo assim, o materialismo dialético é uma das bases do pensamento marxista.
A dialética materialista une pensamento e realidade, mostrando que a realidade é contraditória ao pensamento dialético. Contradições estas, que é preciso compreender para então, transpô-las através da dialética. Marx fala da dialética sempre em um contexto de luta de classes, diferentes interesses, que geram a contradição. Sendo assim, o materialismo dialético é uma das bases do pensamento marxista.
Inicialmente trataremos da dialética em Hegel e
depois em Marx. Analisaremos a relação entre sujeito e objeto, ser e consciência,
no contexto da concepção idealista e
materialista de Hegel, Feuerbach e Marx. Faremos o elo de ligação isto é,
transcendendo da dialética idealista e do materialista histórico para as noções
de sociedade civil e Estado, e, daí, extrair a concepção universalista,
comparando Hegel e Marx, assim como Feuerbach.
Obviamente que a pretensão do
referido trabalho, ao envolver categorias e relações entre as mesmas de tamanha
profundeza, exigiria um esforço maior e um trabalho bem mais extenso, o que não
cabe aqui. Assim, procuraremos atingir aqui de maneira concisa, porém objetiva,
o objetivo a que nos propomos. Claro que a influência de ambos os autores no
meio acadêmico já foi objeto de muitos estudos. Faremos uso nesse trabalho das
obras que diretamente dizem respeito ao tema, dos próprios autores como também
de interpretações de outros estudiosos, quando assim se fizer necessário.
Antes de expor o
método dialético procuraremos, de forma breve, situar historicamente a obra dos
autores de maneira que facilite a contextualização histórica de suas idéias
dentro dos acontecimentos e da época em que escreveram.
As quatro principais obras de Hegel
são publicadas num intervalo de 15 anos. Primeiramente foi a Fenomenologia do Espírito em 1807.
Depois, de 1812 a
1816 Hegel publica três livros da Ciência
da Lógica que darão suporte para a estruturação do método dialético. Em
seguida, a primeira edição da Enciclopédia
das Ciências Filosóficas, em 1817. Por último, Princípios da Filosofia do Direito, em 1821.
Hegel é tomado
como representante de um pensamento mais moderno, fluido, em movimento, um
pensamento que irá se dedicar para além dos domínios da lógica e da matemática,
apreendendo o sentido histó rico e o curso das coisas. O princípio-motor de suas
idéias está na dialética.
A época vivenciada por Hegel é
posterior ao Iluminismo, filosofia na qual preponderou as idéias de Kant, no
período anterior à Revolução Francesa. O Iluminismo por essa época, final do
século XVIII, na Alemanha, já havia sido ultrapassado pela filosofia romântica.
Hegel considerava o Iluminismo como um momento superado na evolução da
histórica do pensamento. Porém, por volta de 1830/1840 tem-se um ressurgimento
iluminista que a exemplo do anterior, combativo, político e anti-religioso na
França pré-revolucionária, ligava-se na Alemanha à luta pela reforma do Estado
prussiano feudal.
O período 1830/40 foi de luta
ideológica, no qual buscava-se combater os direitos da Razão, a era das Luzes e
o racionalismo. Nessa luta, a obra de Hegel cedeu à influência de Feuerbach.
O novo iluminismo, de cunho
filosófico-romântico, tinha como carro-chefe o materialismo de Feuerbach, que
lançaria suas pesadas críticas ao núcleo racional-teológico do Idealismo
hegeliano. Tem-se então, na vanguarda do pensamento filosófico, o materialismo
de Feuerbach, o qual servirá ao jovem Marx como arma necessária à crítica do
Idealismo hegeliano e à formação de seu pensamento.
O período de
efervescência da luta ideológico-filosófica, envolve, primeiramente, Hegel e
Feuerbach e, logo imediatamente, Marx, apoiando-se este no materialismo de
Feuerbach, para criticar os preceitos filosóficos hegelianos. Sua tese de
doutorado em 1841 de um ponto de vista teórico já o situa como um hegeliano de
esquerda. Mesmo ainda com um papel político, ainda permanece resquícios de uma
filosofia idealista. Posteriormente, nos escritos da “Gazeta Renana” um veiculo
da burgesia liberal alemã, tece criticas a Frederic Guilhem sobre política,
educação e economia. Ademais, Marx antes de ser socialista-comunista, era um
democrata radical. Antes de ser materialista dialético, era um idealista. Até
1945 os estudiosos de Marx o considrea como “o jovem Marx” ainda um seguidor da
ideologia alemã hegeliana.
A partir de
1945, Marx entra para fase científica de seu pensamento transpondo do idealismo
para o materialismo apontando como fundamento a economia, a historia e a sociedade.
Daí ele constrói uma multidiciplinaridade.
Posteriormente, no Marx maduro, nas Teses sobre Feuerbach, haverá a crítica
ao materialismo humanista feuerbachiano. Todo este período da crítica de Marx
compreende de 1843 a
1846, onde Marx irá escrever a Crítica da
Economia Política (1843), Crítica da
Filosofia do Direito de Hegel (1843), os Manuscritos Econômicos-filosóficos (1844), A Ideologia Alemã (1845-1846).
O que Hegel buscou com o desenvolvimento de
sua filosofia foi tentar explicar o mundo. Ele irá encontrar na Razão o
elemento que o faria chegar ao entendimento do mundo. Daí afirmar que a Razão
se explica a si própria, como também afirmar que a Razão é quem dirige a
história. Para isso escreveu a Ciência da
Lógica para poder traçar o corpo de categorias que, numa relação de
movimento, caracterizariam a dialética.
A dialética hegeliana parte do princípio da identidade de opostos. Ela se
compõe de várias unidades, das quais Hegel enumera três: tese, antítese e
síntese. A tese poder ser entendida como o momento da afirmação; a antítese é o
momento da negação da afirmação, gerando a tensão que origina a síntese, o
último momento que corresponde à negação da negação, ou seja, é o resultado da
antítese anterior, no qual suspende a oposição entre a tese e a antítese. A
síntese representa uma nova realidade marcada pela aparição da Razão Absoluta,
da consciência de si, ou, o que dá no mesmo, da autoconsciência. A dialética é
o movimento contraditório dentro de unidades que a cada nova etapa nega e
supera a etapa anterior, num fluxo contínuo de superação-renovação. Hegel
sustenta a idéia de que um princípio não basta em si mesmo, pois carrega em si
a contradição e a luta de opostos. Esse processo de superação-renovação é o que
Hegel chama de processo de explicitação (NÓBREGA, 2005).
Importa
salientar que a tese, antítese e síntese não se operacionalizam de maneira
automática, como, à primeira vista, pode parecer. Explicitando de forma mais
detalhada esse movimento de passagem do Espírito Abstrato ao Espírito Absoluto,
Hegel utiliza as seguintes categorias: o ser-em-si,
o ser-aí, o ser-para-si e o ser-em-si-para-si.
Na realidade, dentro das três unidades acima descritas operam quatro momentos.
A diferença que há nesses quatro momentos é que do momento inicial para o
segundo momento, ou seja, na passagem do ser-em-si
(que corresponde à afirmação) para o ser-aí
(corresponde à antítese, a segunda etapa) opera-se a primeira negatividade, caracterizada pela imediatez do
ser mediatizada pela reflexão. É um momento de diferenciação e não ainda de
superação, pois aí ainda opera uma negatividade ligada ao ser-em-si. Na passagem do ser-aí
para o ser-para-si(corresponde ao
segundo momento da antítese) opera-se
a segunda negatividade, onde não apenas o ser-para-si
diferencia-se do sem-em-si, mas,
o supera, se separa e se isola, para além da imediatez do ser-ai anterior.
O momento do ser-para-si é o que há de
novo, é fase crucial, é o momento de invenção da dialética hegeliana, pois é a
partir desse momento que o ser se torna pessoa, ser livre, é a etapa de maior
grau de subjetividade. Essa passagem que Hegel caracteriza como mediação ele a
denomina de essência. A idéia de
superação do ser-para-si em relação ao ser-em-si significa desatar os laços que
mantém preso o ser às leis da Razão não consciente. É nesse sentido que ele se
torna livre, segundo Hegel. A idéia de liberdade surge da operação dessa
passagem que é marcada pela interferência do movimento dialético, o que no
momento anterior não havia, pois na primeira negatividade houve uma passagem
imediata, ainda presa ao momento inicial marcado pela ingenuidade,
inconsciência no domínio da Razão.
A dialética é
também um processo de concretização. O momento inicial da tríade é de
abstração, por ser mais amplo, pois engloba as três etapas em seus movimentos
contínuos e opostos. O momento final do processo que resulta na síntese é o
menos amplo, é a fase final do primeiro ciclo dialético que eliminou as demais.
Daí que, o que é importante, o movimento dialético representa o processo que
vai do abstrato até o concreto.
A categoria mais
abstrata que, segundo Hegel, se encaixa na tese é o ser, ser puro, livre de
seus atributos. Seria a categoria mais abstratamente universal. A antítese do
ser seria o não-ser, ou seja, o nada.
Este é o elemento mediador, a negação da negação. E na síntese, como mesclagem
dessas duas, teríamos o devir ou devenir. A idéia é percorrer o transcurso que
levaria do Espírito Abstrato até o Espírito Concreto, através do elemento de
mediação que Hegel chama de essência ou a negação da negação. Hegel trata na sua
lógica Idéia, Razão e Espírito como sinônimos.
Esse primeiro
momento, da Idéia, representa a interioridade e subjetividade, isto é, é a
Idéia em si, ou, o ser em si. O segundo momento é a exteriorização da Idéia e a
negação do primeiro momento. Esse segundo momento de exteriorização é dado na
Natureza. É a idéia em estado de objetivação. A Natureza é a antítese da Idéia.
Por último tem-se a objetivação da Idéia, unidade do terceiro momento que é a
síntese da antítese entre a Idéia subjetiva e a Natureza. A Idéia Absoluta
representa o retorno à interioridade, é a volta ao estado inicial. A diferença
entre a etapa inicial e a etapa final é que o Espírito Abstrato é uma
interioridade sem consciência; já na segunda etapa, o Espírito Concreto ou
Idéia Absoluta é uma interioridade consciente, fruto do movimento contraditório
da antítese anterior. A Idéia é a unidade do ser e do objeto.
A primeira etapa
é o estágio da liberdade restrita, em que a percepção do ser humano face à
realidade é ingênua. O terceiro momento, no qual vai haver a objetivação do
Espírito, será marcado pelo surgimento das instituições humanas, tais como a
moral, o direito, a história, a política, etc. É o surgimento do próprio Estado
como objetivação e realização efetiva da Razão. Afirma Hegel que a passagem do
Espírito abstrato ou subjetivo para o Espírito concreto ou objetivo representa
um estágio de maior liberdade. Afirma Hegel (2005) na Fenomenologia do Espírito que a evolução do espírito é a
transcendência deste do plano subjetivo, estágio de inconsciência, para o plano
objetivo, universal, absoluto, estágio de autoconsciência. O crescimento do
espírito se dá no transcorrer da história; daí que o processo que leva do
estado subjetivo ao objetivo, absoluto, representa o processo de crescimento da
liberdade do ser humano. Na etapa de síntese, do espírito absoluto, este se
torna infinito. É a consciência de si próprio, a mente se auto-percebe em
qualquer outra coisa (HEGEL, 2003).
O domínio absoluto da Razão tem sua razão de ser na lógica de Hegel, por
ele afirmar que não escolhemos as condições econômicas, sociais e
instituicionais nas quais evoluímos e, no entanto, elas determinam
profundamente nossa maneira de ver ou o espírito dos povos em geral (HEGEL,
2003).
Será do
aprofundamento do estudo da obra de Hegel e da crítica dirigida ao sistema
idealista hegeliano que Marx irá se apropriar do que há de mais fundamental em
seu sistema: a dialética. Marx irá desenvolver a dialética como fundamento
metodológico e teórico de sua principal obra, O Capital (1867). Porém, ao contrário de Hegel, Marx irá
desenvolver a dialética segundo a concepção materialista e não idealista.
Conforme o próprio Marx, enquanto a dialética de Hegel desce do céu à terra,
sua dialética vai da terra ao céu.
2. Hegel, Feuerbach e Marx: idealismo e materialismo
Embora não seja tema de investigação aqui, foi fundamental na crítica do
jovem Marx a Hegel como também para sua concepção materialista da história a
filosofia de Feuerbach, que através do materialismo rebateu o sistema idealista
hegeliano. Daí que a crítica de Marx a Hegel não seria possível sem antes nos
reportarmos, brevemente, à contribuição de Feuerbach nesse processo, de quem o
Marx jovem e maduro estruturou não só sua crítica como também a evolução de seu
pensamento. Iniciaremos o capítulo tratando da relação entre sujeito e objeto
em Hegel, Feuerbach e Marx.
2.1. O sujeito e o objeto
Na
realidade, do ponto de vista epistemológico, o centro da discussão do debate
entre Hegel e Marx, inclusive Feuerbach, é a relação sujeito e objeto. Algumas
colocações feitas aqui já foram brevemente, de uma maneira ou de outra, citadas
acima.
Em Hegel essa relação se coloca no plano
abstrato da Razão, da Idéia e do Espírito, para depois se estender ao plano da
objetivação, atingindo a Razão Absoluta, cuja realização objetiva se dá por
meio do Estado.
Portanto,
em Hegel o sujeito é abstrato, ele se encarna na Razão. Melhor dizendo, o ser é
‘sujeito de si mesmo’, independente da existência corporal do indivíduo pensante.
O ser é uma simples propriedade do pensar. A consciência é o ser, o sujeito. O
ser é objeto (PLEKHÂNOV, 1972, p. 22).
Feuerbach,
por sua vez, adianta que “não há e não pode haver pensamento independente do
homem, quer dizer, do ser real, material”. Seguindo esse raciocínio o homem é
para Feuerbach o núcleo da unidade entre o ser e o pensar (p. 22).
O Marx
jovem absorve integralmente o pensamento de Feuerbach. A inovação de Feuerbach,
isto é, a transição ao materialismo invertendo a relação entre o ser e o pensar
será a base sobre a qual Marx encaminhará seu pensamento.
Se em Marx
o elemento mediador é a práxis, em Hegel é a essência. Para Feuerbach não há
mediação. A mediação é um atributo da lógica dialética e essa é uma categoria
que Feuerbach refutou em sua filosofia. A unidade entre o ser e o pensar ocorre
em Feuerbach pela simples razão de que é o homem um ser material e que é de sua
natureza a faculdade de pensar.
As
implicações acerca da maneira de se conceber o sujeito e o objeto são
profundas, atingindo o núcleo do pensamento dos autores, do ponto de vista
metodológico e filosófico e, quanto aos resultados a que chegam.
Deduz-se
que o sujeito em Hegel é produto da Razão. Em Marx, o sujeito é fruto das
condições materiais através das quais eles se reproduzem, ou seja, o conjunto
das relações sociais de produção e das forças produtivas. Em síntese, Hegel faz
da consciência o sujeito e do ser o objeto, enquanto Marx faz do ser o próprio
sujeito em sua atividade prática e da consciência o objeto apreendido pelo ser
em sua realidade objetiva, material. Assim, conforme as visões de Hegel e Marx
acerca da determinação do sujeito e do objeto, vamos ter caminhos diferenciados
quando entendidas tais categorias à luz da questão da universalidade no âmbito
da relação entre sociedade civil e Estado.
Feuerbach afirma que o começo da
filosofia deve se assentar no finito, no determinado, no real. Desmonta de
ínicio a base sobre a qual se estrutura o pensamento de Hegel ao afirmar que o
ser do homem não é a Idéia, a Razão ou o Espírito, mas o homem. O homem é,
antes de qualquer coisa, um ser natural. O princípio materialista do pensamento
de Feuerbach se coloca no sentido de considerar o homem como ser real, como ser
vivente, em sua existência concreta e não ideal. Nesse sentido remete a
essência do homem à natureza. Enquanto em Hegel a Natureza é a exteriorização
do ser (da primeira etapa, na tese) no sistema da lógica, em Feuerbach é a
atribuição essencial do ser. Feuerbach trata do homem em si próprio, livre das
atribuições especulativas e idealistas do hegelianismo. Afirma Feuerbach que “a
verdadeira relação do pensamento ao ser reduz-se a isto: o ser é sujeito, o
pensamento é predicado. O pensamento provém do ser e não o ser do pensamento”
(TIMMERMAN, p. 51). A dialética hegeliana pouco ou nenhum valor tem na obra de
Feuerbach por achá-la arbitrária. Dirá Marx que Feuerbach desprezou o que de
mais fundamental há no pensamento de Hegel.
O materialismo de Marx sai das
entranhas do materialismo de Feuerbach, mas com uma nova roupagem, pelo seu
caráter histórico-concreto. Enquanto Feuerbach observa no materialismo o
caráter natural, Marx dará ao seu materialismo um caráter histórico. Na medida
em que o materialismo de Marx tem por fundamento a história, ele assume o
caráter sócio-histórico, desenvolvendo seu pensamento no âmbito da teoria
social. Portanto, o materialismo histórico-dialético de Marx tem uma base
material, centrada no binômio forças produtivas-relações de produção, que
desenvolveremos mais adiante. Marx sai do campo da filosofia para o campo da
teoria social.
Em Feuerbach a essência do homem é o
seu ser. O real é o sensível. A verdade reside na união de dois sujeitos reais
em sua natureza. Essa união nasce da intuição da essência universal de ambos os
sujeitos. A verdade é, como diz Feuerbach, o homem em sua essência, ou em
outras palavras, é a essência dos sujeitos (FREDERICO & SAMPAIO, p. 82). É
a consciência sensível. Para Hegel a verdade é a união entre essência e
aparência da coisa, é a unição do eu e do tu que nasce da instituição da
essência universal (idem, p. 83). Embora Marx inicialmente concebesse a verdade
conforme Feuerbach; ou, fazendo uma ponte com Hegel, a verdade é a revelação da
essência por meio da reflexão, em seus estudos posteriores ele não entenderá
mais a verdade como a consciência sensível, intuitiva, mas a verdade como sendo
o homem real agindo sobre a realidade, transformando-a.
Afirma Marx nos Manuscritos que
para Hegel o ser humano só tem valor como ser abstrato pensante, como
autoconsciência. E o sujeito que se conhece como autoconsciente é Deus, O
Espírito Absoluto (p. 45). Daí Marx afirmar que toda alienação do homem é a
alienação que parte de sua autoconsciência. A superação da alienação é,
justamente, a superação da abstração vazia e sem conteúdo que se instaura no
momento da negação da negação, na antítese, como etapa de mediação, passando da
reflexão à práxis. O conceito de alienação Marx toma de Feuerbach, refazendo
este conceito posteriormente em seus trabalhos. A teoria da alienação de
Feuerbach acusa o domínio do ser absoluto em Deus ou no Espírito Absoluto como
fundamento da alienação da essência humana. Conforme Feuerbach, Deus é
simplesmente a forma separada de seu conteúdo, no homem. Dessa falsa separação,
afirma, o homem ao abdicar de sua essência, aliena-se. Logo, é tarefa essencial
da Filosofia esclarecer e desmistificar essas ilusões (TIMMERMAN, p. 52). Tanto
Feuerbach quanto Marx transferem o racionalismo de Hegel do reino da abstração
para o reino da concretude.
Nas onze teses de Marx sobre Feuerbach estão as bases de sustentação do
materialismo de Marx. Na primeira tese Marx afirma que o principal defeito de
todo o materialismo, incluindo o de Feuerbach, é que a realidade, o mundo
sensível só são apreendidos sob a forma de objeto ou intuição, mas não como atividade humana sensível, enquanto práxis. Na mesma tese adianta Marx que
Feuerbach acata objetos sensíveis distintos dos objetos do pensamento de Hegel,
mas não considera a própria atividade humana como atividade objetiva (MARX,
1845-46, p. 99).
Na sexta tese diz Marx que Feuerbach teve o mérito de transpor a essência
religiosa para a essência humana, mas que a essência humana não pode ser algo
em abstrato, inerente ao indivíduo isolado, sendo, em realidade, o conjunto das
relações sociais. Esse último aspecto – o conjunto das relações sociais – é um
dos aspectos de maior importância da teoria social de Marx. Acrescenta Marx na
sétima tese que o indivíduo abstrato que Feuerbach analisa é ele, na realidade,
uma forma social determinada (idem, p. 102).
De volta a Marx, se observará em A Ideologia Alemã (1845-46) o nascimento do materialismo histórico e dialético. Aqui
estará exposto o pensamento do Marx maduro que refutará o hegelianismo especulativo-idealista
e o materialismo humanista feuerbachiano. Embora Feuerbach desse um passo
significativo para desmontar o racionalismo abstrato de Hegel, sua filosofia
materialista pecava por situar no sensível, no intuitivo e no naturalismo a
essência do ser, de maneira que, para aquele, além do ser nada teria sentido,
mas apenas no próprio ser. Quanto a este ponto, o pensamento de Feuerbach
parece dar indicações de que ele permaneceria no ser-em-si de Hegel. Tirando o homem do Reino Divino e livrando-o da
alienação, Feuerbach fez do homem um ser satisfeito com sua essência, sua
sensibilidade, que, por ser natural, é imutável, no sentido estrito do termo.
Apesar de seu materialismo, da mesma forma que Hegel, Feuerbach fez do homem um
conceito abstrato. Tomando a natureza como referência, renuncia ao movimento
dialético de superação, existindo a convivência pacífica entre os sujeitos
individualizados. Nesse sentido, na perspectiva feuerbachiana, a sociedade é o
conjunto dos seres em sua individualidade.
Contrariamente a Feuerbach, Marx vai
situar seu materialismo para além do sujeito pensante, preso em sua
sensibilidade. Marx irá centrar seu materialismo na relação dos sujeitos com
condições materiais nas quais eles se perpetuam e atendem suas necessidades.
Para Marx, os seres humanos embora sensíveis, são seres concretos reais, fruto
das relações que mantém em sua atividade prática, produtiva. Há uma
inter-relação entre as relações de produção e as forças produtivas, dependendo
estas e, ao mesmo tempo, impulsionando a divisão do trabalho. Dirá Marx que o
que os indivíduos são depende não da Razão, mas das condições materiais da
produção dos bens necessários à vida. Ou seja, a cada desenvolvimento das
forças produtivas, corresponderá novas relações de produção mais avançadas, o
que, por sua vez, corresponderá mais adiante a um novo momento de reflexão dos
indivíduos sobre sua essência, subjetiva e objetiva, o ser e suas condiões de
existência.
A partir daí vislumbra-se a relação entre ser e consciência. Estando
condicionado os indivíduos em seu pensamento pelas condições materiais, estará
a consciência subordinada ao ser, logo é o ser que determina a consciência e
não o contrário. Já em Feuerbach essa máxima, de quem Marx tomou, ocorre não do
homem face às condições materiais, mas porquê o próprio homem é real, concreto,
portanto, material.
A correspondência necessária entre
as relações de produção e as forças produtivas é fundamental na concepção do
materialismo histórico. Daí ser o materialismo histórico uma teoria social. A
dialética é o núcleo racional do materialismo de Marx e Engels, exposto em A Ideologia Alemã. A oposição inscrita no sistema
hegeliano entre a tese e a antítese, entre a afirmação e a negação, tem em Marx
a mediação material, enquanto em Hegel é reflexiva, abstrata. Daí que a solução
na operação entre a contradição dos dois pólos se dá em Marx por meio da
atividade prática do homem que supera a oposição entre sujeito e objeto, ou o
que Marx vai conceituar como a práxis.
A práxis é a atividade enérgica dos homens face aos conflitos e contradições no
âmbito da sociedade.
Dirá Marx que a primeira condição de
toda história humana é a existência de seres humanos vivos. Acrescenta que, os
homens ao produzirem seus meios de subsistência, produzem indiretamente sua
própria vida material (MARX & ENGELS, p. p. 10-11). Mais adiante, coloca
que a maneira como os homens manifestam sua vida reflete no que eles são. O que
eles são coincide com o que eles produzem e como produzem. Assim sendo, segundo
Marx, o que os indivíduos são depende das condições materiais de sua produção
(idem, p. 11).
Os indivíduos, no exercício de sua
atividade produtiva, segundo um modo determinado de produzir, colocam-se em
relações sociais e políticas determinadas, relações que se dão entre
proprietários de meios de produção e proprietários da força de trabalho. Em
decorrência disso, a estrutura social e o Estado nascem do processo vital de
indivíduos em ação, na sua existência real, segundo a maneira como trabalham e produzem
materialmente (idem, ibidem, p. 18).
Sintetiza Marx a idéia de que são os
homens reais, atuantes, que produzem e reproduzem suas idéias, suas
representações, etc. Daí ser a consciência o resultado do ser consciente e, o
ser dos homens, acrescenta, é o seu processo de vida real. São os homens que
realizando sua produção, desenvolvendo suas relações materiais, transformam, em
função da realidade em que vivem, seu pensamento e também os produtos de seu
pensamento (op. cit., p. p. 19-20). Posteriormente, com base nessa idéia, Marx
irá desenvolver as noções de estrutura e superestrutura.
A relação entre o ser e o pensamento fica clara quando Marx e Engels (p.
25) afirmam que
A consciência é, portanto, de
início, um produto social. A consciência é, antes de mais nada, apenas a
consciência do meio sensível mais próximo e de uma interdependência limitada
com outras pessoas e outras coisas situadas fora do indivíduo que toma
consciência.
E, mais adiante,
A soma das forças produtivas, de
capitais, de formas das relações sociais que cada indivíduo e que cada geração
encontram constitui a base concreta da representação que os filósofos fazem do
que seja substância ou essência do homem (idem, p. p. 36-37).
Contrariamente ao modelo hegeliano,
estão as idéias, as representações e a consciência, a princípio, direta e
intimamente ligadas à atividade material e ao comércio material dos homens.
3. Sociedade civil, Estado e a concepção
universalista
A idéia de neste
trabalho investigar a concepção universalista por intermédio da lógica
dialética idealista de Hegel e do materialismo histórico de Marx trata de
analisar nesses autores, em outras palavras, a relação entre a sociedade civil
e o Estado, ambas entidades que se engendram no seio do movimento dialético e
que levam em Hegel e em Marx a caminhos e resultados diferentes. Assim como,
face ao acima exposto, investigaremos do que se trata neles por liberdade,
verdade, realidade.
A identificação entre o pensamento
de Marx e de Hegel ocorre numa questão central a partir da qual os
desdobramentos feitos por um e por outro seguem caminhos diferentes com
implicações conclusivas também diferentes. A identificação se dá na concepção
de relações sociais que tem base jurídica na propriedade privada.
Em Hegel, as relações pessoais
passariam pela propriedade, dando caráter jurídico àquelas. A propriedade
assumiria posteriormente em contraposição ao contrato, aos costumes, a base
material fundamental que se coloca externamente frente às relações pessoais.
Quando, na lógica hegeliana, há o movimento de negação da sociedade civil pelo
Estado, este conserva a propriedade. Para Marx há a necessidade de superação da
propriedade por ser ela o meio material mediador do conflito na sociedade, como
mediação da dominação, pois o Estado ao conservar a propriedade, conserva, diz
Marx, os interesses contraditórios advindos da sociedade civil, se colocando
aquele na ilusão da representação da vontade livre dos cidadãos.
A concepção de universalidade
envolve, portanto, no esquema lógico de Hegel, por um lado, a realização da
liberdade plena e, por outro lado, a solução dos conflitos que pairam na
sociedade civil, que se resolvem na figura do Estado como entidade objetiva no
qual se anulam os interesses particulares em nome do interesse e vontade
gerais. A anulação de tais interesses ocorre pela via da absorção das
diferenças individuais pelo Estado. Coloca-se uma questão: como ocorre a
absorção dessas diferenças pelo Estado? Afirma Hegel que o Estado surge,
segundo a lógica, como negação da sociedade civil, onde tais interesses quando
elevados ao Absoluto se desvaneceriam. O surgimento do Estado significa a
objetivação da consciência, através da qual o homem alcança o nível mais
avançado de sua liberdade por meio de sua autoconsciência frente às
contradições da sociedade, saindo do estágio de ingenuidade existente no
estágio inicial da Razão Abstrata. Nesse sentido em que os homens são
autoconscientes e, portanto, livres, paira sobre a sociedade relações de
igualdade. Nas palavras de Hegel enfatiza-se:
O Estado, como realidade em ato de
vontade substancial, realidade que esta adquire na consciência particular de si
universalizada, é o racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim
próprio absoluto, imóvel, nele a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim
este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem
membros do Estado têm o seu mais elevado dever (2003, p. 217).
Um dado fundamental na concepção universalista de Hegel e Marx é que
enquanto Hegel concebe no fortalecimento do Estado a garantia das vontades
individuais, da liberdade e da igualdade entre os homens, Marx prega o fim do
Estado, pois, preservando este a propriedade, preserva, assim, a desigualdade e
compromete a liberdade dos indivíduos na sociedade, prevalecendo a dominação e
a exploração.
Nessa passagem da sociedade civil ao Estado operam movimentos que
envolvem a partir da mediação, o avanço no alcance da realidade objetiva, da
vontade geral e da liberdade e que, o Estado encarnando esses valores,
superaria o estado caótico, conflituoso imanente na sociedade.
Partindo de Hegel, este identifica,
na Filosofia do Direito, três
categorias sociais que correspondem às três etapas da Lógica: a família, a
sociedade civil e o Estado Político. A família corresponderia à primeira etapa,
a tese, ou o ser-em-si. É a primeira
aparição do Espírito, que corresponde à vontade comum. É o ser em abstrato onde
predomina o interesse comum.
A sociedade civil corresponderia à
segunda etapa e à negação da etapa anterior, sua antítese. É a negação da
negação e, ao mesmo tempo, a superação da família. É aquele estágio no qual as
vontades são individuais, o campo do interesse particular. A sociedade civil,
como negação da negação, representaria o elemento mediador (reflexivo) que
elevaria da condição do ser humano em abstrato, o ser-em-si, até o último estágio, o refúgio da vontade universal. É
o momento em que o Espírito se exterioriza e tem como ancoradouro a Natureza.
Daí Hegel associar a idéia de sociedade civil à idéia de natureza. A sociedade
civil é a consciência individual que nega a consciência coletiva da família.
Mas a sociedade civil, na medida em que representa vontades individuais
dispersas, é ela a negação de si própria, que a eleva ao plano superior do
Espírito Universal, Absoluto, que tem aporte no Estado.
Sendo o espaço dos interesses
particulares, representa o interesse das corporações, das classes. Família e
sociedade civil representam, juntas, as premissas que fundamentam o Estado
político. Este, por sua vez, nasce da negação e superação dos conflitos
existentes na sociedade civil. Porém, embora Hegel visualize a existência de
classes, de conflitos, não impede que no âmago desses conflitos exista a
identidade, no sentido exposto da dialética.
A família é a unidade ingênua que,
através da mediação do universo disperso dos seres individuais, alcança a
unidade, consciente e esclarecida, no Estado. Este é a essência, o Universal, o
Espírito consciente de si, ou melhor, a autoconsciência. O Estado representa a
entidade que congrega os interesses dispersos em torno de uma vontade geral.
Nesse sentido, universal, não contraditória.
Hegel retoma o conceito de sociedade
civil da economia política inglesa, como sendo esta a manifestação plena da
pluralidade dos seres na vida social. O significado da sociedade civil tem por
base o instrumento da propriedade privada, desenvolvida em capítulo da Filosofia do Direito. Com base na
propriedade privada, a sociedade civil seria a ordem jurídica estabelecida em
virtude de atividades econômicas e não em virtude da política.
A propriedade privada é, assim,
definida, como a manifestação objetiva e material da vontade livre entre os
seres humanos. A mediação da vontade livre cria, para além do limite da
propriedade, em sua exterioridade, a liberdade. Daí que o acordo implícito, a
vontade comum, manifesta-se na propriedade. Nesse sentido, objetiva-se o
contrato social. Para Marx & Engels (p. 33) a sociedade civil compreende “o
conjunto das relações materiais dos indivíduos dentro de um estágio determinado
de desenvolvimento das forças produtivas”.
Há uma contribuição de Hegel nos
desdobramentos do pensamento de Marx acerca das relações de produção que se
inscrevem juridicamente na propriedade. Em Marx e Hegel a propriedade é a
expressão jurídica das relações econômicas. Essa contribuição de Hegel perpassa
toda a extensão da obra de Marx, desde o método da economia política nos Manuscritos até o âmago da própria
teoria econômica expressa em
O Capital.
As concepções de sociedade civil e
Estado de Marx e Engels, em sua inter-relação, é, ao mesmo tempo, uma
reviravolta em todo arcabouço teórico hegeliano. Por exemplo, Marx não consegue
compreender como Hegel pode internalizar oposição e identidade no seio das
classes sociais. Marx entende que a sociedade civil como mediação entre o
Espírito Abstrato e o Espírito Absoluto - o reino da liberdade, da vontade
geral – é insatisfatória.
No processo de desenvolvimento
social de Hegel a ‘superação’ da contradição na sociedade civil pelo consenso
no Estado não eliminaria a relação básica da propriedade. Sendo o Estado, a
entidade consciente de si mesmo, encarnaria em seu interior as relações de
propriedade, perpetuando-as.
No curso do pensamento de Marx o
fenômeno da alienação – tomado inicialmente de Feuerbach – é localizado na
estrutura básica material da sociedade burguesa, e não na relação desta com o
Estado, como também imaginava Feuerbach. Daí que a alienação deve ser combatida
no seio da sociedade através do controle do Estado.
Enquanto em Hegel a propriedade
exprime relações igualitárias que se situam na troca de valores iguais, segundo
a teoria do valor clássica de Smith e Ricardo, em Marx, a propriedade, mediante
o instrumento da mais-valia, exprime
relações contraditórias, de exploração, que se exprime a livre disposição da
força de trabalho pelo capital.
O Estado capitalista moderno, à
época de Marx e Hegel, não era a solução integradora, a essência universal
revelada nas diferenças contraditórias da sociedade como pensava Hegel, mas
sim, o organismo de poder que mantém, sustenta e reproduzem as contradições, os
interesses particulares da burguesia.
Considerações
Não resta dúvida
por parte dos estudiosos de Hegel, Feuerbach e Marx que a grande contribuição que
tiveram os dois primeiros para a evolução e consolidação do pensamento de Marx.
Feuerbach significou uma reviravolta no idealismo de Hegel como corrente de
pensamento dominante até então. Em contraposição ao idealismo, Feuerbach vai
instaurar o materialismo, trazendo o homem do céu e colocando na terra: o homem
é a essência de tudo.
A lógica da teoria econômica de Marx se assenta no método dialético. Por
exemplo, o próprio capital, como propriedade moderna, carrega em sua essência o
princípio dialético da contradição, na medida em que Marx trata de sua
evolução através da mercadoria até a crise do capitalismo, decorrente da
tendência à queda da taxa de lucro, acarretada pela acumulação, concentração e
centralização do capital em escala crescente. Marx sintetiza a lógica dialética
em sua obra ao afirmar no livro terceiro que o capital é uma barreira ao
próprio capitalismo, o que é uma afirmação controversa. Por outro lado, o viés
metodológico da dialética hegeliana está presente nos Manuscritos quando Marx desenvolve o método da economia política
que embasará a estrutura de O Capital.
Um outro ponto central e controverso
em Hegel e em Marx que está no sistema lógico de Hegel é o movimento dialético
que faz operar o mecanismo de conservação-superação. Este mecanismo envolve a
questão do Estado em Hegel como Razão Absoluta, assim como o fundamento da
liberdade. Esta, em Hegel provém do Espírito, do abstrato; em Marx, provém do
ser e suas condições de existência, portanto, do concreto.
Em síntese, a concepção
universalista em Hegel se instaura no Estado, como objetivação da Razão, da
Idéia e do Espírito Absoluto, onde reina a consciência e a liberdade do homem.
A universalidade em Marx passaria pela superação do Estado com a mediação da práxis, de caráter revolucionário, sendo
o Estado não a garantia da liberdade, mas a sustentação da servidão.
Após os escritos com Marx,
principalmente em A
Ideologia Alemã ,
Engels retoma e refaz a visão de Estado que foi concebida na época, ao lado de
Marx. Assim como grandes avanços houve na concepção de Estado realizados por
Gramsci.
A própria história mostrou que a
superação do Estado não se efetivou, ao contrário, onde o socialismo avançou, a
propriedade privada foi suprimida e conservada sob domínio do Estado
totalitarista. O Estado capitalista avançou no sentido de que ele não é
unicamente a expressão dos interesses privados da burguesia (em função dos
vários movimentos de organização social), embora continue sendo a garantia da
propriedade.
O capitalismo contemporâneo tem
carregado no bojo de seu desenvolvimento o aguçamento das contradições e, ao
mesmo tempo, garantindo espaços para sua reprodução e acumulação crescentes.
Mas, basta questionar, às custas de que e de quem?
O sonho do proletariado como classe
revolucionária libertadora virou pesadelo. Bom ou ruim, o capitalismo
atualmente tem garantido um salto no desenvolvimento das forças produtivas que
tem orientado as relações de produção não para a revolução, mas para o que
estamos assistindo atualmente, a flexibilização das relações de trabalho.
Por fim, resta dizer que se a filosofia de Hegel é idealista e
especulativa, o materialismo histórico de Marx e Engels até então tem sido
ingênuo. Porém, se há uma coisa que se mantém viva na obra de Marx é o legado
dialético de Hegel, como método, que, embora o capitalismo não tenha se
superado, ao contrário, tem se conservado, o mesmo está coberto de
contradições, contrariando, assim, as inspirações iluministas de cunho
positivista.
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